Poesia da Semana
Na Biblioteca Pública
Maria de Fátima Bernardes
Um mergulho quero dar
No acervo vou pesquisar
Para poder me aprimorar
Nos livros vão estar
A riqueza do transformar
Esse espaço de informação
Me alegra de montão
Me instiga
Me fascina
Nas asas da imaginação
Ah! Biblioteca Escolar
Aqui você me faz viajar.
Nella città III – Traduções
Saulo Nascimentto
E que, de mim, poderias dizer, senão que sou tantas mudanças?
Sou feito de mudanças que me mudam antes mesmo de perceber que já sou outro.
Percebo de mim tanto quanto daquilo que há lá fora.
— Sinto que percebo. — Mas percebo o quê?
E quem é que percebe em mim?
Às vezes, é um olhar sem corpo — espreitando por dentro.
Um eu que não sou eu.
Um ser-eu que desconheço, que parece enxergar o que não vejo.
— Que se apossa das interpretações — com o rancor de quem não pode sentir, senão dar sentido.
Na verdade, somos dois. Dois incompletos... adversos...
— E há em mim um cansaço antigo: o de ser dois.
De nunca ser inteiro. — Como se uma parte respirasse, e a outra apenas traduzisse o ar.
Nella città II - Meu véu
Saulo Nascimentto
Todos dizem ter a verdade, como se fosse um objeto que se guarda no bolso, ou algo a ser fatiado, repartido em porções individuais: este pedaço é meu, aquele é seu. Mas a verdade... a verdade não se deixa possuir. Ela apenas é. Está lá — livre e inteira — mesmo quando ninguém a vê.
Eu a sinto, às vezes, num instante que passa, incapturável pela compreensão. Ela não se deixa ressignificar. Não cabe em palavras, não se curva à vontade alheia. É. Como a luz que atravessa uma janela, mesmo quando o vidro está empoeirado. O que vejo... é sempre manchado pelo que sou.
Mas o erro — o erro é pensar que a verdade é minha só porque a vi. Não é. Ela não é minha, não é tua, não é de ninguém. É só dela. Minha é a percepção. E percebo com mãos trêmulas, com olhos que mentem, com o silêncio do que ainda não entendi.
A verdade é uma presença que não se deixa tocar, mas que arde. Uma ausência que pesa. Um sim eterno por trás de tantos talvezes — que se revela quando a gente já cansou de procurar.
A falta da mãe
Rafael Martins da Silva
Seu olhar penetra minha alma.
Carrega em si algo que lhe entristece.
Mesmo que sejas minha amada.
Meu pequeno mundo logo padece.
Diante da inércia de não poder ajudar-te.
Quem dera poder alterar o ciclo da vida.
Para que essa dor tão sofrida pudesse deixar-te.
Dentro do seu olhar vejo a tristeza.
O vazio e a saudade de quem partiu.
É a constante jornada da vida.
Colocando-nos diante desse vazio.
Quem perde a mãe torna-se incompleto.
A vida mergulha num mar de lembranças.
Recordações de grande carinho e afeto.
Voltamos ao início como aquelas crianças.
Sem a mínima noção.
Que a vida é a mais perfeita sintonia do coração.
Finisterra
Nilson Weber
Solar península
cintila sobre meu ombro.
Arregaço o peito
para acolher
o quinhão
de terra que me cabe.
Toda alma refulge
sobre um solo fecundo.
Desintegro-me ao relento,
desmaterializo-me
junto as fontes,
sob o sol, ao vento.
As funções vitais
vão se exaurindo,
minha substância
corpórea ruindo,
perco o ágil movimento.
Progressivamente
desapareço de cena:
Sou um poema
escrito na areia,
um verso nas águas
do fim do mundo.
Lamento
Nilson Weber
Lamento se nas manhãs claras e serenas
não saímos para nadar no mar do outono,
se nos entregamos à letargia do sono
sem tentar ser mais do que já fomos.
Como expressar o sublime das coisas
que nos faz pequenos?
Qual cobertor poderia aquecer-nos a todos do frio?
a não ser em pensamentos?
Lamento os barcos que não se fizeram ao vento,
os túmulos que ninguém visita,
os livros que não foram lidos,
as vidas ceifadas pela fúria dos insanos,
as plantas que esqueceram de regar,
a erosão dos sonhos mais amenos,
a psiquê dos psicopatas,
o pão mofado que não ajudou
a matar a fome dos despossuídos,
a flor colhida antes do tempo,
o amor reprimido;
o que não me coube,
o que não me soube.
Não há rio que sacie a sede
de todos os homens.
O meu grito
Álvaro Castro
Quando eu liberar o meu grito,
se um tonitroar rasgar o infinito
bobagem perder a calma;
a agonia de minha intuspecção
me valerá por veredito:
atrofiada estará minha alma.
O eco (meu ego) some, não reverbera.
Se minha voz não alcança as montanhas
inútil é a minha espera;
se o grito não passar de mim,
não sair de minhas entranhas,
frustra-me e não atinge o seu fim.
Se camelo blaterar é costumeiro
como a coruja chirriar,
ou balir o cordeiro,
e se é legítimo um cão rosnar,
por que, então, não consigo gritar?!
Não um grito qualquer, despropositado,
Mas do fundo de meu âmago.
Exercitarei meu grito
até alcançar o infinito!
Quero voar, ouvir o ruflar de asas,
encontrar-me com anjos,
sufocar meu ego e silenciar o eco.
E o meu grito, saído de minhas entranhas,
finalmente se ouvirá além-montanhas
– rasgará o infinito –
e nunca mais será o dito pelo não dito.
PENSAMENTOS
Álvaro Castro
Se pensas que penso como esperas
que eu pense, provavelmente te equivocas,
pois, penso que penso diferentemente,
até quando duvidando me provocas.
Penso que pensas que sabes o que penso
e penso que não pensas bem.
Talvez também me equivoque, não sei:
... se meus olhos me traem e te revelam
o que penso e nem eu mesmo sei.
Mas se queres saber de mim
o que penso realmente de ti,
basta ouvir-me quando falo
e refletir quando me calo.
Para mim é demais interessante,
mesmo quando prepotente e arrogante;
apenas não consigo compreender-te
quando, indecisa e vacilante,
desprezas o meu amor suplicante;
quando em teus repentes lembras que
que sou um pobre poeta – que sou diferente.
DESABAFO DE POETA
Álvaro Castro
Milhões de astros no cosmos ultramarino
milhares de vidas no colo intra-uterino
Formas de astros e espécies de vidas
diversos e infinitos espaços
céu, terra, águas, barrigas,
ovários e úteros – doces regaços.
Partículas e espermatozóides
inspiram o poeta criador,
xingado de debilóide
quando exprime a própria dor.
Ante as verdades do poeta
os ignorantes e os desatentos
da platéia - surdos patetas -
dissimulam seus desalentos.
Inobstante, os poetas "vagabundos"
jogam pérolas aos porcos:
ouvintes moribundos,
insensíveis, quase mortos.