Liana Albuquerque Zeni
Ah, o mar! Outros o sentirão com o corpo,
Com os braços abertos para o abraço da maresia.
Eu o sinto com o pensamento, pálido, distante,
Como um sonho que se sonha por outra pessoa.
Vejo-o daqui da minha janela alta,
Onde o horizonte é um risco entre dois prédios.
É um azul de retórica, uma vastidão de tinta,
Uma ideia de infinito que cansa antes de começar.
E penso: que será o mar em si mesmo,
Sem os meus olhos que o limitam,
Sem o meu verso que o estreita,
Sem esta náusea de o desejar sem o conhecer?
Será ele a grande Alma, o Respirar primeiro,
O princípio e o fim de tudo o que é líquido e claro?
Ou será apenas água, muita água, salgada,
Indiferente a mitos e a poetas?
Traz ele, nas suas profundezas silenciosas,
O segredo dos deuses que morreram de tédio?
Guarda ele, nas suas vagas que se repetem,
A fórmula inútil do Eterno Retorno?
Não sei. E não saber é a minha condição.
A minha nau é de papel, a minha âncora, de sombra.
Navego sentado, com o olhar posto num ponto
Onde a linha do horizonte se desfaz em talvez.
Mar, se existes para além da minha vista,
Se és real como uma dor ou um azulejo,
Perdoa este meu amor de cartografia,
Este desejo de te possuir sem sair da cadeira.
Porque eu sou deste modo: amo as viagens
Que se fazem parado, os abismos que se tocam
Com a ponta do pensamento, os naufrágios
Que ocorrem no tinteiro, sem mortos, sem espuma.
E assim, entre a saudade e a análise,
Entre o apelo da onda e o peso da pálpebra,
Fico nem em terra nem em mar,
Numa pátria de nevoeiro, a sonhar acordado
O poema perfeito, que seria um silêncio
Com sabor de algas e de eternidade.
E o mar, lá fora, continua.
Ignora o meu verso, ignora a minha janela.
E nessa indiferença, encontro, afinal,
A única verdade, única, que me é dada:
A de que somos ambos, mar e eu,
Mistérios paralelos que se contemplam
Sem se entenderem, sem se tocarem,
Numa solidão compartilhada e perfeita.








